O que a vitória de Trump significa para o conflito entre Israel e o Hamas?
Durante toda a campanha eleitoral, republicano prometeu acabar com as guerras em Gaza e no Líbano – sem oferecer maiores detalhes.
Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao lado do então presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca em 2020
Foto: REUTERS/Tom Brenner
Não demorou muito para que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, saudasse a reeleição de Donald Trump, descrevendo-a como “o maior retorno da história”. Seus ministros de extrema direita da coalizão, Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir, tuitaram seu entusiasmo antes mesmo de o resultado oficial da eleição ser anunciado.
Netanyahu foi “um dos primeiros a telefonar” para o presidente eleito, disse seu gabinete em um comunicado. “A conversa foi calorosa e cordial” e os dois “concordaram em trabalhar juntos pela segurança de Israel e também discutiram a ameaça iraniana”.
A vitória de Trump ocorreu poucas horas depois de Netanyahu ter demitido seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que era visto como um ponto-chave de contato com o governo Biden no governo israelense.
De acordo com uma pesquisa pós-eleitoral publicada pelo canal de TV Channel 12, 67% dos israelenses disseram que estavam “satisfeitos com a vitória de Trump”.
Esse sentimento também era palpável nas ruas.
“Esperamos que Donald Trump faça grandes coisas pelo nosso país e também pelos Estados Unidos. Mas, sobretudo, ele fez muitas promessas e, caso consiga cumprir nem que seja metade delas, não haverá palavras”, disse à DW Benaya Koller, um jovem transeunte em Jerusalém.
Para alguns críticos do governo de Netanyahu, entretanto, o retorno de Trump não é um bom presságio.
“Acho que para Smotrich e Ben-Gvir, ter o tipo de governo israelense que temos hoje, o governo israelense mais extremista da história deste país, foi uma espécie de equivalente a ganhar na loteria israelense”, disse Yehuda Shaul, cofundador do Ofek, um think tank israelense. “Colocar Trump na Casa Branca é como se eles também tivessem ganhado na loteria americana.”
Políticas do primeiro mandato favoráveis a Israel
Durante seu primeiro mandato, Trump tomou várias medidas políticas controversas em apoio a Israel. Em 2017, ele reconheceu Jerusalém como a capital de Israel e transferiu a embaixada dos EUA de Tel Aviv para lá, revertendo décadas de política americana e opinião internacional sobre o assunto. Ele também reconheceu a soberania de Israel sobre as Colinas de Golã ocupadas, que Israel capturou da Síria durante a guerra de 1967 e anexou ilegalmente em 1981.
Trump também é considerado o arquiteto dos Acordos de Abraão, uma série de acordos que normalizaram as relações com alguns países árabes, mas ignoraram os palestinos e qualquer solução para o conflito palestino-israelense. Alguns analistas acreditam que Trump pode pressionar pela normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita em seu segundo mandato.
Ele também pode tentar ressuscitar o chamado Acordo do Século, um plano que previa a anexação por Israel de todos os seus assentamentos na Cisjordânia ocupada, ao mesmo tempo em que concedia aos palestinos alguma autonomia nos enclaves restantes.
Nos últimos anos, no entanto, as relações entre Netanyahu e Trump esfriaram. Quando Trump perdeu a eleição de 2020, ele pareceu irritado quando Netanyahu parabenizou o democrata Joe Biden por ter conquistado a presidência. Após os ataques terroristas liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, Trump criticou Netanyahu por estar despreparado, alegando que isso não teria acontecido se ele ainda fosse presidente.
Alguns analistas consideram complexo o relacionamento de Netanyahu com Trump, este último frequentemente descrito como imprevisível.
“Acho que ele tem um pouco de medo de Trump. Ele acha que Trump pode manipulá-lo, mas tem medo de que, se Trump estiver de olho nele, Trump possa ficar muito irritado, ao contrário de Biden, que, por algum motivo, nunca o pressionou, nunca reagiu a suas manipulações”, disse Alon Pinkas, ex-diplomata israelense em Nova York.
Situação tensa no Oriente Médio exigirá atenção dos EUA
A situação no Oriente Médio certamente exigirá a atenção do próximo governo dos EUA. Trump não apresentou nenhum grande plano para a região, exceto para afirmar que acabaria com as guerras em Gaza e no Líbano, sem discorrer sobre como ele se diferenciaria do governo Biden.
“Trump deixou claro para Netanyahu que ele quer que isso termine até 20 de janeiro, quando ele entrar na Casa Branca”, disse Pinkas. Em abril, Trump disse que Israel estava perdendo “a guerra de relações públicas em Gaza” e pediu ao país que “a encerasse rapidamente”.
Críticos acusaram Netanyahu de jogar com o tempo a fim de esperar por um novo presidente dos EUA, apesar do total apoio militar e político do governo Biden ao governo israelense durante a guerra. Netanyahu está feliz com Trump, disse Pinkas, porque “Trump não vai pressioná-lo de forma alguma sobre a questão palestina”.
Durante o primeiro governo Trump, Washington rejeitou a posição internacional comumente aceita de que os assentamentos israelenses na Cisjordânia ocupada são ilegais de acordo com a lei internacional.
“Temo que o que vamos enfrentar seja uma carta branca para o governo israelense fazer o que quiser na Cisjordânia, anexando ainda mais a Cisjordânia como parte da agenda desse governo”, disse Yehuda Shaul, que também foi co-fundador da Breaking the Silence, uma organização de ex-soldados que critica a ocupação militar de Israel. “E temo que o risco de reconstrução dos assentamentos em Gaza tenha aumentado drasticamente.”
Embora a política da era Trump tenha sido revertida pelo governo Biden, alguns analistas sugerem que ela estabeleceu a base para a pressão pela anexação total que agora está ganhando apoio.
“O enorme poder que o campo de anexação em Israel tem hoje não teria acontecido sem o primeiro mandato de Trump”, disse Shaul. “Quando você tem toda a força da diplomacia dos EUA distorcendo as leis e as regras, por exemplo, com o reconhecimento da anexação israelense das Colinas de Golã, temo que veremos mais disso.”
Na sexta-feira, Netanyahu nomeou um de seus assessores mais próximos, Yechiel Leiter, como o novo embaixador de Israel nos EUA. Leiter, nascido nos EUA e colono da Cisjordânia, é um defensor de longa data do movimento dos colonos. Durante a juventude de Leiter, de acordo com o jornal israelense Ha’aretz, ele participou ativamente da Liga de Defesa Judaica, um grupo fundado nos EUA pelo rabino de extrema direita Meir Kahane que o FBI posteriormente considerou uma organização terrorista.
‘Clima de euforia’ entre os colonos israelenses
O jornal israelense Yedioth Ahronoth noticiou na quinta-feira o “clima de euforia” no establishment dos colonos israelenses com a reeleição de Trump. Os líderes dos colonos têm um plano de ação claro para o período após a posse, observou o jornal, e têm trabalhado com as principais figuras republicanas nos últimos anos para preparar o terreno para o retorno de Trump.
De acordo com o artigo, seus planos incluem o lançamento de “uma iniciativa para aplicar a soberania israelense na Judeia e Samaria e ‘tomar território’ para o estabelecimento de novos postos avançados de assentamento no norte da Faixa de Gaza”.
A anexação de mais território acabaria efetivamente com a ideia de uma solução de dois Estados e com a criação de um Estado palestino soberano. Embora Netanyahu tenha negado quaisquer planos de restabelecer os assentamentos israelenses em Gaza, declarações de autoridades e ministros israelenses sugeriram o contrário.
Há também a preocupação de que os palestinos não possam retornar ao norte de Gaza, onde Israel renovou uma ofensiva terrestre contra o que, segundo afirma, são militantes do Hamas na área, e onde os moradores dizem que estão presos nos combates em meio a uma situação calamitosa.
Estima-se que 90% da população de Gaza tenha sido deslocada durante a guerra que já se arrasta há 14 meses. Uma dessas pessoas é Shadi Assad, de 22 anos, do campo de refugiados de Jabalia, no norte de Gaza. Ele tem pouca esperança de que um novo governo dos EUA traga algo positivo e só quer voltar para casa.
“Harris fazia parte do atual governo americano e apoiava Israel e a guerra”, disse Shadi Asaad à DW por telefone, do sul de Gaza. O estudante de engenharia foi deslocado várias vezes e agora vive com sua família em uma barraca em Khan Younis.
“Vivemos em um estado de humilhação sem precedentes, e ninguém se importa conosco”, disse ele. “Só queremos que a guerra acabe, com ou sem acordo, com ou sem Trump.”