Do “sério desafio da China” a Kyiv, que vai NATO discutir em Washington?

A NATO celebra os seus 75 anos com uma cimeira em Washington que deverá assinalar os grandes desafios recentes da Aliança, bem como identificar os temas que definirão o seu futuro.
Do "sério desafio da China" a Kyiv, que vai NATO discutir em Washington?

Acimeira de Washington – que se realiza entre 9 e 11 de julho – tem uma agenda dominada pela invasão russa da Ucrânia, pelos desafios deixados pelo forte investimento militar da China e pela coesão política dos aliados.

No momento em que a Aliança dá as boas-vindas à Suécia e à Finlândia como novos membros, a organização quer procurar soluções para os novos problemas e desenhar estratégias para os futuros ambientes de segurança internacional.

Eis os principais temas da próxima cimeira da NATO:

O apoio à resistência da invasão russa da Ucrânia

A invasão russa da Ucrânia deverá ser a questão central da cimeira de Washington, embora os aliados reconheçam que a organização tem várias frentes de preocupação. A atitude do Kremlin relativamente a Kyiv alterou o cenário de segurança na Europa.

A adesão da Ucrânia à NATO não está na agenda da cimeira, nem sequer mesmo um convite para essa adesão, mas o apoio a Kyiv dominará parte importante das discussões, sobretudo depois de a cimeira de Vílnius, no ano passado, ter levado os aliados a adotar uma posição considerada cautelosa sobre a matéria.

Nos seus recentes comunicados, a NATO tem evitado usar a palavra “contenção” no que diz respeito ao apoio a Kyiv, e os aliados têm continuado a fornecer armas às Forças Armadas da Ucrânia, mas vários analistas militares reconhecem alguma retração no auxílio ocidental contra a invasão russa.

Nesta cimeira, a NATO deverá assumir a coordenação da ajuda militar a Kyiv, desenhada no âmbito do Grupo Ramstein, o Grupo de Contacto de Defesa da Ucrânia, bem como deverá estabelecer a coordenação e a interoperabilidade das forças militares.

Na agenda da cimeira estará uma proposta do secretário-geral cessante, o norueguês Jens Stoltenberg, de criar um fundo de longo prazo para a Ucrânia de 40 mil milhões de euros anuais, assumindo que isso deverá sustentar a resistência à invasão, embora se reconheça que é um valor insuficiente para recuperar terreno e realizar contra-ofensivas.

A cimeira deverá confirmar que a NATO apoiará a Ucrânia “enquanto for necessário”, mas falta ainda saber se a Aliança Atlântica se conseguirá comprometer com uma outra expressão: “tanto quanto for necessário”.

Gastos em defesa

A cimeira irá debater o objetivo de investir 2% do PIB na defesa, procurando que não seja um limite máximo, mas um mínimo comum para todos, quando os países bálticos, por exemplo, até pedem uma subida deste patamar para 2,5%.

Apesar de o compromisso de 2% ser antigo e ter sido reafirmado na última cimeira em Vilnius, apenas 23 dos estados-membros atingiram esta meta, o que significa que um terço ainda está aquém, incluindo Portugal, com 1,55% do PIB, estimando-se que a subida para a percentagem acordada só aconteça em 2030.

As nações do sul da Europa estão aliás entre os piores gastadores, o que inclui Itália e Espanha, ambos abaixo dos 1,5% e que contrastam com a prioridade em defesa dos países mais próximos do conflito ucraniano, desde logo a Polónia, que gasta acima de 4%.

Este desequilíbrio poderá legitimar os países no norte e de leste a reclamarem mais peso na Aliança.

O desafio do Ártico

O Ártico voltou a entrar na agenda da NATO, depois de ter sido relegado como assunto de segundo plano após a Guerra Fria, sobretudo por causa da aposta militar que a Rússia tem vindo a realizar nesta região do planeta.

O Kremlin anunciou recentemente que a Frota do Norte de Moscovo e os submarinos com armas nucleares estão baseados na região em torno da Península de Kola, o que incrementa os riscos de uma escalada de tensão nesta zona.

Como resposta, os aliados estão a reforçar as suas posições nesta região, até porque, desde que a Finlândia e a Suécia aderiram à NATO, sete dos oito países do Ártico fazem parte da Aliança.

Os países nórdicos têm feito um investimento substancial na modernização das suas capacidades defensivas e contam com a NATO para reforçar a sua capacidade de resposta a uma eventual atitude ofensiva de Moscovo nesta zona.

Como exemplo desta preocupação, o maior exercício da NATO desde a Guerra Fria – Steadfast Defender 2024 — foi realizado com o intuito de treinar e testar a capacidade dos aliados para proteger o Atlântico contra os avanços russos a partir do Ártico.

O reforço de segurança no flanco sul

Ao longo dos seus 75 anos, a NATO sempre colocou a segurança do flanco sul — na região que vai de África ao Golfo Pérsico – em segundo plano, mas esta cimeira deverá procurar encontrar novos planos para os desafios que ali se colocam, mais uma vez, devido à importância que a região tem para a Rússia.

O Mar Mediterrâneo, a África e o Golfo Pérsico podem não ser o centro de gravidade no confronto com Moscovo, mas os analistas da Aliança reconhecem que esta zona poderá vir a ser, a curto prazo, um local onde os interesses da Rússia e da NATO entram em colisão.

A NATO reconhece que a Síria, a Líbia e o Sahel são potenciais “barris de pólvora” prontos a explodir num cenário de escalada de conflito com Moscovo.

Por outro lado, o conflito no Médio Oriente — e, em particular, os ataques à navegação no Mar Vermelho por parte dos Huthis — levantam novos problemas para os aliados, que admitem ter lacunas de segurança a vários níveis nesta região.

A cimeira poderá servir para os aliados procurarem novas parcerias nesta zona, incentivando novos laços institucionais em África, alegando que se trata de uma zona sensível para a estabilidade no Atlântico.

A desinformação

A cimeira de Washington deverá salientar a necessidade de uma estratégia clara e de soluções rápidas para os ataques de informação manipulada, sobretudo por causa dos recentes desenvolvimentos de ferramentas generativas de Inteligência Artificial (IA).

Os aliados já reconheceram que o Kremlin e os seus aliados estão a explorar os ambientes de informação abertos para fomentar um clima de instabilidade nas instituições dos regimes democráticos (por definição, os mais vulneráveis neste setor).

Uma ferramenta de pesquisa ‘online’ usada pelos aliados, a Information Laundromat, deixou claro que os esforços para sancionar, proibir ou atenuar os efeitos da propaganda patrocinada pelo Estado russo não estão a ser eficazes.

Dados da Laundromat revelam que contas no YouTube e no Reddit estão a conseguir disseminar conteúdos do Kremlin com o objetivo de desestabilizar processos políticos no Ocidente.

A cimeira de Washington deverá procurar um acordo para a criação de um Centro para a Resiliência Democrática, uma agência que procure estabelecer ligações com organizações da sociedade civil que possam fornecer aos cidadãos dados e ferramentas educativas para melhor os proteger contra as ameaças da manipulação da informação.

Os problemas do Indo-Pacífico

A cimeira deverá aprofundar o consenso sobre o envolvimento da NATO com a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul e a Nova Zelândia, que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos, em particular com operações de combate à pirataria no Índico.

No início da década de 2010, a Aliança formalizou vários acordos com aquele grupo de países do Indo-Pacífico, alegando preocupações com o desenvolvimento das capacidades militares nucleares e convencionais da Coreia do Norte.

A parceria com aqueles países foi acentuada com a participação dos seus líderes na cimeira de Madrid, em 2022, e em Vílnius, no ano seguinte — repetida agora em Washington – como demonstração da centralidade destas parcerias.

Ainda assim, a NATO garante que, ao contrário do que alegam a Rússia e a China, não há qualquer plano para a Aliança se expandir para o Indo-Pacífico e recorda que, mesmo que quisessem, aqueles quatro países nunca poderiam aderir à Aliança, já que os tratados restringem a entrada de novos membros aos estados europeus.

De todo o modo, a cimeira de Washington deverá discutir os desafios que a China tem colocado nesta região do globo.

O “sério desafio” da China

A cimeira de Madrid, em 2022, nomeou a China como um concorrente sistémico e o novo Conceito Estratégico da NATO definiu o posicionamento de Pequim como um “sério desafio” aos interesses dos aliados.

Os aliados estão preocupados com a forma como o seu investimento militar disparou e com a possibilidade de perder a sua vantagem tecnológica para Pequim.

Outras avaliações entendem que Pequim não pode ser considerada neutra em relação à guerra na Ucrânia, uma vez que fornece a Moscovo bens de dupla utilização que usa nas armas da invasão.

Os aliados serão assim chamados a aprofundar a relação que a Aliança e os Estados Unidos estão a reforçar com os parceiros pró-ocidentais do Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia).