Visita ao “cérebro” da segurança das fronteiras. Das críticas ao recrutamento à ativação demorada
Tem 15 competências o chamado “mini-SEF” do Sistema de Segurança Interna. É um centro nevrálgico de coordenação entre cinco entidades que herdaram as competências do extinto SEF. Controla a maior concentração de sempre de bases de dados policiais e é também aqui verificado o “cadastro” dos estrangeiros que querem residir ou trabalhar em Portugal e dos refugiados que pedem asilo. Cinco meses depois de ter sido criado e duas semanas após ter sido publicada a sua lei orgânica, a nova Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros ainda tem muitas salas vazias, de pessoas e equipamento.
Criada há cinco meses, a UCFE ocupa dois pisos no “quartel-general” do Sistema de Segurança Interna
No dia em que visitámos o “quartel-general” da nova Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE), na passada sexta-feira ao final da tarde, nada do que vimos se assemelhava, sequer de perto, ao que se podia idealizar sobre aquilo que tem sido caracterizado como o centro nevrálgico, o cérebro, de toda a segurança nas fronteiras aéreas, terrestre e marítimas, e do controlo de entradas, permanências e saídas de cidadãos estrangeiros do nosso país.
Tem 15 competências (ver no final do texto quais são) e é um centro nevrálgico de coordenação entre cinco entidades (PJ, PSP, GNR, AIMA e IRN) que herdaram as competências do extinto SEF.
Controla a maior concentração de sempre de bases de dados policiais e é também aqui verificado o “cadastro” dos estrangeiros que querem residir ou trabalhar em Portugal e dos refugiados que pedem asilo.
Recebidos primeiro pelo secretário-geral do SSI, embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, foi pela mão do coordenador da UCFE, José Caçador, um ex-inspetor do ex-SEF, que fizemos a visita guiada.
É verdade que se passaram apenas cerca de duas semanas deste que esta unidade – conhecida por “mini-SEF” – teve a sua lei orgânica publicada e cinco meses desde que a sua criação ficou plasmada em decreto-lei, mas a frustração aumentava (agravada para o nosso fotógrafo Leonardo Negrão) à medida que se iam abrindo as portas das diversas divisões repartidas pelos dois de 10 pisos do prédio situada no centro de Lisboa e que o SSI já ocupou totalmente.
“Está a ser feito, e continuará a ser, todo o trabalho, de coordenação com as fronteiras onde está a PSP e a GNR, as pesquisa nas bases de dados, as verificações de segurança. Não há qualquer vazio”, garante Caçador.
1145 pedidos de parecer para emissão de vistos de trabalho
Na semana passada, por exemplo, foi aqui que foi feita a verificação de segurança – uma avaliação para averiguar se existe alguma ameaça – de uma nova lista de 48 palestinianos de Gaza (que se juntam a uma primeira de 16, no total de 64) que o Governo quer retirar daquele território em guerra com Israel. “Tal como decorre da lei, as verificações de segurança é uma das competências da UCFE, são feitas a partir daqui, com consultas às diversas bases de dados nacionais e internacionais. Estamos a receber 300 a 400 pedidos diários e desde o início da UCFE que chegaram-nos 1145 pedidos de parecer só para a emissão de vistos de trabalho“, sublinha o coordenador, sem querer referir casos concretos.
Mas ainda muito vazias, de pessoas e também de equipamento e mobiliário, estão as salas onde está previsto funcionar os seis gabinetes que constituem a UCFE: o de coordenação e gestão integrada de fronteiras; o de medidas cautelares e de segurança; o de sistemas de informação; o de projetos, estudos e planeamento; o de articulação externa; e o nacional ETIAS (Sistema Europeu de Informações e Autorização de Viagem), um importantíssimo novo sistema registo de entradas nos países da União Europeia (UE) para os viajantes isentos de visto Schengen (semelhante ao dos EUA e Canadá), que passa a ser obrigatório a partir de 2025.
Vimos pouco mais de uma dezena dos 51 inspetores da Polícia Judiciária (PJ), que eram do SEF, recrutados por José Caçador nos últimos meses, sob críticas de opacidade feitas, essencialmente pelo presidente do antigo Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (futuro Sindicato da Carreira de Investigação da PJ), que resume boa parte de conteúdo das inúmeras mensagens de indignação que têm chegado ao DN.
“Em devido tempo transmitimos ao responsável pelo processo de fusão – cito – que “independentemente da forma legal escolhida para a afetação a cada uma das entidades, o respetivo processo de seleção e afetação deveria ser sempre claro, aberto, fundamentado, público e transparente, sem qualquer margem para convites ou seleções arbitrárias”, assevera Rui Paiva.
“A opção foi por um processo de recrutamento que nos é completamente desconhecido. Optou-se por não realizar qualquer anúncio, auscultação, receção de candidaturas, ou procedimento administrativo, pelo menos, que se conheçam”
No entanto, continua, “a opção foi por um processo de recrutamento que nos é completamente desconhecido. Optou-se por não realizar qualquer anúncio, auscultação, receção de candidaturas, ou procedimento administrativo, pelo menos, que se conheçam. Disto só resta concluir que terá sido por convite dirigido aos selecionados. No que ao Sindicato diz respeito, só podemos assegurar que fomos completamente alheios a todo este processo, e não nos revemos nele”.
SSI não envolveu PJ no recrutamento?
Acresce que, não só este sindicato, o mais representativo de inspetores, desconhece este processo, como, segundo fontes policiais conhecedoras do processo, a própria direção nacional da PJ terá sido surpreendida, pelos convites terem sido feitos à sua revelia e com o número de inspetores que foram subtraídos aos seus quadros – pelo menos durante os três anos da comissão de serviço – e pelo acréscimo salarial de 25% (cerca de mais 600 euros) para os membros da UCFE.
Contactada pelo DN, a PJ não quis comentar. No SSI, o secretário-geral Vizeu Pinheiro, que apanhámos por breves minutos, de saída para uma reunião, garantiu que “tudo está a ser esclarecido” e que “tudo é articulado”.
José Caçador explicaria depois que “o recrutamento foi feito de acordo com a lei, escolhidas as pessoas que estavam ou estiveram ligadas a estas funções, com experiência prévia, a maioria inspetores mais antigos, com formação em análise de risco, experiência nas avaliações Schengen. Como tem referido o Sr. Secretário Geral o procedimento “as is” (as it is), tal como estava”.
Como exemplo de que isso pode não corresponder inteiramente à realidade, fontes que contactaram o DN apontam o exemplo de Renato Mendonça, o inspetor que preside ao Sindicato dos Inspetores de Investigação e Fiscalização das Fronteiras do SEF (futuro Sindicato da Carreira de Investigação Criminal da PJ) que vai integrar a UCFE que, alegam, não terá experiência nas matérias tratadas neste “mini-SEF”.
Responde assim: “O convite eventualmente terá a ver com o facto de ter 17 anos de serviço em fronteiras, 15 em aéreas e dois em marítimas. Sendo que nas aéreas, cerca de 10 anos a assumir funções de coordenação na 2ª linha do aeroporto de Lisboa. Eventualmente, acho que posso afirmar ter algum conhecimento em matéria de fronteiras, quer no que diz respeito à parte operacional, quer da legislação nacional e comunitária”.
Quanto “as críticas sobre o processo de recrutamento”, reconhece que “a seleção deveria de ter sido feita de outra forma, nomeadamente, ter sido considerada a experiência e antiguidade na Carreira de Investigação e Fiscalização (CIF)”.
De acordo com a lei orgânica, “a UCFE é constituída por elementos da GNR e da PSP, indicados pelas respetivas entidades e nomeados por despacho do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna”, mas tal não aconteceu.
“Tem de haver dois tempos. Um primeiro para consolidar procedimentos, apoiar a PSP e a GNR nas fronteiras. Neste momento estas forças de segurança não estão ainda preparadas para o trabalho da UCFE, mas pretendemos que dentro de, um máximo, de seis meses comecemos da dar-lhes a formação necessária. Qualquer crescimento que venha a acontecer, por exemplo o gabinete ETIAS, o qual deverá ter uns 40 elementos, terá se ser com elementos da PSP e da GNR”, acentua José Caçador.
E o acesso às bases de dados?
Um ponto muito crítico de toda esta gigantesca transição de competências policiais do ex-SEF para a PJ, PSP, GNR e para este “mini-SEF” são as cobiçadas e ricas bases e dados de SEF, as tais 23 que o diretor nacional da Judiciária, Luís Neves, lamentou não ter “acesso a nenhuma” e que são um instrumento precioso nas investigações criminais a organizações criminosas de imigração ilegal e tráfico de seres humanos. Para a PSP e GNR também é preciso este acesso na segurança fronteiriça.
A pesquisa direta pelas polícias a estas bases de dados – que contém, entre outros, estrangeiros sinalizados criminalmente por outros países, moradas de referência, circulação no espaço Schengen, roteiros de viagem – não é ainda possível.
Para já, tal como acontecia com o SEF, todos os investigadores têm de ir bater à porta da UCFE e da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que vai ficar com as bases de dados não policiais , como o registo de manifestações de interesse, pedidos de residência, entre outros, também importantes para muitas investigações.
“Não está ainda claro (como vai ser o acesso direto). Fisicamente as bases de dados estão ainda na AIMA e é à AIMA quem compete dar estes acessos. É complexo e oneroso”, afirma José Caçador.
As 15 competências da UCFE
1- Coordenar a cooperação entre as forças e serviços de segurança nacionais entre si e com outros países em matéria de circulação de pessoas, de retorno e de controlo de pessoas na fronteira;
2- Promover a articulação entre as forças e serviços de segurança, o Instituto de Registos de Notariado (IRN) e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA);
3- Proceder à atribuição, gestão e definição dos acessos das forças e serviços de segurança ao Sistema de Informação do Passaporte Eletrónico Português e às bases de dados e sistemas de informação sob responsabilidade da AIMA.
4- Estudar, planear e gerir as bases de dados e sistemas de informação em matéria de fronteiras e estrangeiros que contenham informação de natureza policial e de cooperação policial internacional, atribuindo os respetivos acessos;
5- Assegurar a gestão e cooperação entre as forças e serviços de segurança, e demais serviços competentes, para o correto funcionamento dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira, em matérias de sistemas de informação, plataformas digitais de trabalho e sistemas de comunicação, em articulação com o Gabinete para os Centros de Cooperação Policial e Aduaneira do Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional;
6- Assegurar a representação do Estado português na Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA) e na Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (FRONTEX), constituindo-se como ponto de contacto nacional (NFPOC);
7- Coordenar a participação da representação nacional junto das instituições internacionais e da União Europeia em matéria de fronteiras e retorno, e atuar como ponto de contacto nas matérias relacionadas com as suas atribuições;
8- Assegurar a articulação entre as forças de segurança responsáveis pelo controlo de pessoas nas fronteiras para garantir uma aplicação uniforme de normas técnicas e procedimentos nos postos de fronteira, bem como dos equipamentos necessários ao funcionamento dos mesmos;
9- Participar na definição de prioridades para a implementação do modelo europeu de gestão integrada de fronteiras, bem como coordenar os trabalhos para a definição da estratégia nacional para a gestão integrada das fronteiras;
10- Centralizar e recolher informação relativa à entrada, permanência e saída de pessoas do território nacional, ao tráfico de seres humanos, ao auxílio à imigração ilegal e aos demais crimes relacionados com imigração irregular;
11- Coordenar com o Centro Nacional de Coordenação EUROSUR o intercâmbio das informações relacionadas com a entrada, permanência e saída do território nacional, procedendo à análise de risco estratégico no âmbito das suas atribuições;
12- Registar e atualizar a informação de natureza policial e criminal relativa a estrangeiros;
13- Atualizar e difundir a informação relativa a estrangeiros em situação irregular e aos quais tenha sido recusada a entrada em território nacional, atualizando ainda as listas de estrangeiros indicados para efeitos de regresso e para efeitos de recusa de entrada e de permanência;
14- Centralizar a informação relativa ao afastamento coercivo, expulsão, readmissão e retorno voluntário de cidadãos estrangeiros;
15- Emitir informações ou pareceres em matéria de segurança no âmbito de pedidos de concessão, renovação de documentos, reconhecimento de direitos e atribuição e aquisição da nacionalidade a estrangeiros e de concessão de passaportes, com vista à apreciação de ameaças à segurança interna, ordem ou segurança públicas ou prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa interna.